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A Igreja perante a SIDA - CEAST


Mensagem Pastoral dos Bispos Catolicós de Angola e São Tomé.

I. Gravidade do problema.

1. Não é ousadia afirmar que a sociedade se encontra hoje ameaçada por cinco flagelos modernos a saber: a droga, o terrorismo, a poluição, as seitas e a SIDA. Tão graves são estas pragas que a ciência e os governos, mesmo os mais poderosos, com tantos meios ao seu alcance, ainda não conseguiram debelá-las nem conter a sua expansão. Pelo contrário, com raras excepções, elas parecem expandir-se de dia para dia, e em todas as latitudes.

2. Se as referidas pragas constituem hoje uma grave ameaça para toda a humanidade, uma delas vem a ser ameaça gravíssima para nós, africanos. Tal praga é justamente a SIDA. Com efeito, dos 38 milhões de pessoas que há, no mundo, atingidas por esta doença, 70% vivem na África Subsariana. Ou seja, quase 27 milhões desses doentes estão no meio de nós. O facto não seria tão alarmante, se a doença fosse curável, e o doente recuperável. Mas, infelizmente, não é. Trata-se duma doença que, em poucos anos condena à morte os seus pacientes, pois a ciência ainda não encontrou remédio para a curar nem vacina para dela imunizar a quem quer que seja.

3. A SIDA transformou-se na doença que, porventura, mais custa a aceitar aos seus pacientes.
Por um lado, tais pacientes sentem-se condenados à morte ainda na pujança dos seus anos, na idade mais produtiva e reprodutiva da vida. Por outro lado, as vítimas deste flagelo não costumam ser aceites facilmente pela sociedade e até nem pela própria família. Os motivos são bem sabidos. Umas vezes, é o temor infundado de contágio através da simples convivência, embora este contágio não aconteça. Outras vezes, é o pudor, ferido do próprio doente, com a ideia do comportamento sexualmente, desordenado, que costuma estar na origem de tão grave enfermidade, se bem que nem sempre seja este o seu caso.

4. A gravidade desta doença não se mede apenas pelo drama que ela significa para o seu paciente, mas também pelas nefastas consequências que ela acarreta à família e à própria sociedade. Se o paciente for um dos progenitores, a família fica privada dum sustentáculo, O que se vai traduzir na orfandade, na fome e, acaso, na mesma doença dos próprios filhos. Por sua vez, a sociedade fica privada duma força humana de trabalho, precisamente na fase mais rendosa da sua vida, com resultados negativos para a economia do país. Em suma, trata-se duma doença duplamente' onerosa para a nação: primeiro, pelas verbas consumidas no seu eventual tratamento; e segundo, pelos lucros cessantes com a perda dum trabalhador.

II. A SIDA em Angola e em S. Tomé.

5. Ainda não temos estatísticas completas e fiáveis' sobre a extensão da SIDA nos nossos Países. Mas sabemos que alguns de nós somos vizinhos de países onde, segundo consta, mais de um terço da população está afectada pelo terrífico HIV. E nada nos garante que a nossa população tenha o privilegio de não correr o mesmo risco. A agravar a situação de Angola está a guerra, na qual não costuma faltar o desregramento sexual, traduzido na infamante violação de mulheres, sem consideração alguma por sua idade ou condição. Terminada a guerra, Deus permita que o teste do HIV, mesmo nas nossas aldeias, não nos vá deixar aterrados. Cumpre-nos recomendar aqui às. autoridades competentes que mentalizem e disciplinem os militares acerca deste grave problema, para bem deles mesmos e de toda a população.

6. Hoje institucionalizada pela procura desesperada dum modus vivendi, como resultado da miséria em que vivem sepultadas tantas famílias, a prostituição das nossas cidades não pode deixar de constituir um clamoroso viveiro da doença da SIDA. Levadas pela fome, mulheres há, e até meninas, que não só se entregam facilmente, mas até chegam a procurar parceiros endinheirados, porventura estrangeiros, na busca dum lucro fácil, tristemente aviltante. À prostituição acresce a irresponsável precocidade das práticas sexuais entre adolescentes, estimuladas pela propaganda pornográfica e erótica de certos programas televisivos, mui- tos deles emitidos directamente para a África Lusófona. A simples recomendação do preservativo que é feita aos nossos jovens e adolescentes, ao liberalizar e desenfrear o instinto sexual, acaba por induzi-los ao seu desuso, como estorvo do maior prazer possível, como eles mesmos confessam. De tudo isto se infere o tremendo desafio que a SIDA lança hoje à ciência, aos Governos, e à Igreja: à ciência, para a pesquisa duma resposta medicinal e mesmo vacínica a tão mortal enfermidade; aos Governos, para apoiarem devidamente a ciência e, em particular, a medicina, bem como outras iniciativas específicas nesta humanitária campanha; e à Igreja, para educar as pessoas, as famílias e a própria sociedade, quanto às correctas atitudes que devem assumir para com o doente e a prevenção da doença.

III. O doente.

7. Como antes referimos, um dos aspectos mais graves desta enfermidade é a condição em que se encontram os seus pacientes perante si mesmos, perante a família e perante a sociedade. Importa sobremaneira arrancar a esta doença ,o tabu de que ainda está revestida, de forma a conhecer melhor a sua existência e assistir melhor os seus pacientes. Nem sempre a sua existência tem origem na actividade , sexual. E quando a tiver. Nem sempre essa actividade é ilícita, pois pode acontecer no recto uso do matrimonio. Por isso, não deveria haver razão para esta doença ser mais reservada do que uma pneumonia ou uma tripanossomiase (doença do sono).

8. Seja qual for a origem da SIDA, o seu paciente é sempre uma pessoa humana, com todos os direitos devidos a qualquer homem ou mulher. E quanto mais grave for o seu estado de saúde, tanto mais carinho e atenção lhe devem ser prestados pela família e pela mesma sociedade. Só por ter o fatídico HIV, nenhum trabalhador pode ser discriminado ou despedido do emprego. E no caso de ele não estar em condições de prestar o devido rendimento no trabalho, então deve ser tratado nas mesmas condições que um paciente, de qualquer outra doença. O atendimento destes doentes e das pessoas em risco de contrairem a mesma doença há-de merecer a nossa mais abnegada atenção. A este propósito, os consultórios pastorais anunciados pela Caritas, se devidamente organizados, podem constituir uma benção, não só para as pessoas já afectadas mas também para as pessoas em risco de o virem a ser.

IV. A prevenção da doença.

9. Ao contrario de outras doenças, esta, não obstante a sua gravidade, tem o privilégio de poder ser evitada: Se, por um lado, nos entristece a certeza de ela não ter cura, por outro lado, conforta-nos o saber que todo o ser humano tem à sua disposição os meios necessários para a evitar. A conclusão a inferir daqui é o nosso empenho em procurar, por todos os meios plausíveis, a prevenção desta doença, de modo muito particular entre os jovens, por forma a poderem amanhã constituir uma família sã, com filhos saudáveis para si mesmos e para a sociedade. É evidente que também os adultos, quer solteiros quer casados, têm o direito e o dever de se defenderem contra a mesma doença. Para tanto, o nosso aconselhamento pastoral tem que fazer uma diferença inevitável entre casados e solteiros.

  10. As pessoas casadas têm obrigação de alimentar o seu amor conjugal com os actos que lhe são próprios, conforme ensina o Apóstolo dizendo: "Não vos recuseis um ao outro, a não ser por consentimento mútuo a fim de vos entregardes à oração; depois, ajuntai-vos outra vez, para que Satanás vos não tente pela vossa incontinência II (I Cor 7,5). Daqui, a obrigação de "o marido dar à mulher o que lhe é devido e, da mesma sorte, também a mulher ao marido" (I Cor 7,3). Segundo a doutrina católica, os actos conjugais entre marido e mulher devem ser abertos à vida, pois para isso estão ordenados pela própria natureza que lhes deu o Criador. Mas a propósito daqueles casais que, para evitar entre si o eventual contágio da SIDA, têm dificuldade em ser fiéis à referida doutrina, recordamos as seguintes palavras da Humanae Vitae, dirigidas aos directores de almas: "Ensinai aos esposos o necessário caminho da oração, preparai-os para recorrerem com frequência e com fé aos sacramentos da Eucaristia e da Penitência, sem se deixarem jamais desencorajar pela sua fraqueza " (HV , 29). Quanto à prevenção da SIDA entre casais, o caminho mais certo para isso está na fidelidade mútua. Na verdade, a obediência à Lei de Deus beneficia o homem todo, não só o espírito mas também o corpo.

11. As pessoas solteiras encontram-se numa situação completamente diversa, e o seu problema não consiste em saber se podem ou não podem usar o preservativo; mas sim, em saber se podem ou não podem praticar, entre si, relações sexuais. A resposta da Bíblia é categoricamente NÃO. No Evangelho diz 'Cristo que "todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração" (Mt 5,28). Note-se bem que o Senhor não faz referência a uma mulher casada, mas simplesmente a uma mulher, mesmo solteira, que não pertence àquele que a deseja. Ora, se o homem peca pelo simples desejo de se unir a uma mulher que não é sua pelo casamento, como não há-de pecar se tiver, de facto, relações sexuais com ela? Daí a sentença condenatória do Apostolo: "Nenhum imoral ou impuro (..) terá herança no Reino de Cristo e de Deus" (Ef 5,5). Aos negociantes de preservativos interessa sobremaneira que a juventude se afunde no pântano degradante do sensualismo, pois dessa forma poderão incrementar os seus lucros com a propaganda e a venda de camisinhas. Não parece ser outro o objectivo daqueles que, para evitar a SIDA entre jovens, se limitam a recomendar-lhes o preservativo, sem qualquer apelo à sua principal defesa que é a educação da vontade, do autodomínio, da consciência e da responsabilidade.

V. Os sinais de Deus.

12. Não queremos partilhar a opinião daqueles que vêem na SIDA um castigo de Deus pela escalada de hedonismo e devassidão sexual, de que muita gente faz hoje o ideal da vida e um negócio lucrativo, de modo particular através da mídia. Mas partilhamos a certeza de que esta doença deve ser vista como um sério aviso da divina providência para respeitarmos as leis da natureza, não somente a nível ambiental ou ecológico, mas também, e de modo particularíssimo, a nível do nosso corpo, que é a casa sagrada em que todos nós habitamos. Precisamos de inverter, numa verdadeira curva de cento e oitenta graus, certos comportamentos da nossa sociedade com relação ao sexo. Assim como o "homem não vive para comer, mas come para viver", assim também "a vida não foi transmitida ao homem para fruir o prazer sexual, mas o prazer sexual foi dado ao homem para transmitir a vida". Violar estes princípios é fazer com que o sexo, outorgado ao homem e à mulher para ser fonte da vida, venha a converter-se para eles em fonte da morte.

13. A Igreja, dentro dos princípios já enunciados, deseja colaborar com o Governo numa vasta campanha de esclarecimento e educação de todos para a sua responsabilidade, perante as ameaças desta mortífera doença. Por isso, apoiamos todas as iniciativas já promovidas pela Caritas bem como o seu vasto projecto de, em todas as Dioceses, trabalhar por prevenir a doença e acompanhar os doentes. Para isso, fazemos nosso o seu pedido de ajuda, agradecendo desde já aos doadores todo o apoio que derem a este projecto tão humanitário e tão Urgente. E à Virgem Maria, que é invocada como Saúde dos Enfermos, rogamos a sua bênção para todos os doentes da SIDA e para todos quantos trabalham a favor desta nobre causa.


Luanda, 12 de Março de 2002
Os Bispos Católicos de Angola e S. Tomé

 
 





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ultima revisão deste pagina 8 de Abril 2002