Apelo à Reconciliação Nacional

 

----- Original Message -----

From: Fundação Open Society

To: OSISA

Sent: Wednesday, May 23, 2001 4:11 PM

Subject: Angola: Apelo à Reconciliação Nacional, por ocasião do dia da África


Apelo à Reconciliação Nacional


Nota: O presente apelo à reconciliação nacional decorre da conjugação de uma série de factores positivos e negativos que, nos últimos dois anos, se têm manifestado na nossa sociedade. Os factores positivos têm a ver com os pronunciamentos de líderes de opinião a favor do alcance da paz pela via do diálogo; os negativos têm a ver com a ocorrência de factos perturbadores, devido a situações de violência verbal e militar que se assinalam um pouco por toda a parte.

Para nós, a reconciliação nacional é a condição fundamental para a manutenção de uma paz duradoura. Por isso, o processo de reconciliação nacional deve ser iniciado imediatamente, pois constitui condição indispensável para o êxito do processo de paz em Angola.

A questão que se coloca, para a maior parte dos políticos e para os analistas, é a seguinte: É possível iniciar o processo de reconciliação nacional sem que haja um prévio cessar das hostilidades? Achamos que sim.

Nos últimos anos, tem-se assistido, quer ao nível de base quer ao nível dos políticos, a um entendimento natural e a uma convivência que, em certa medida, leva os observadores menos atentos a criar a ilusão de que o conflito angolano é de fácil solução. Essa convivência tem tido lugar não somente no interior do país mas, sobretudo, entre os angolanos da diáspora.

As contradições não se tornam sempre, e inevitavelmente, em antagonismos violentos. Afinal, o uso da violência, como método de resolução de conflitos, decorre de estratégias definidas pelas respectivas hierarquias.

É fácil constatar que o processo de reconciliação nacional só terá êxito assegurado desde que sejam dados passos seguros, e os mais acertados, no sentido de se estimular e valorizar os pontos de convergência, relativizando as nossas diferenças.

Assim, o processo de reconciliação nacional deverá criar o ambiente propício para que a sociedade possa ultrapassar, de forma consciente, a capacidade de manipulação daqueles sectores que estimulam o uso da violência.

Aparentemente, a comunidade internacional, com interesses em Angola, tem agido no sentido de ajudar os angolanos a reencontrarem-se e a coexistirem.

Contudo, a experiência vivida mostra-nos que esse envolvimento nem sempre foi o mais favorável aos nossos interesses e terá mesmo conduzido a uma agudização do conflito e ao estímulo à sua resolução violenta. Daí, e como consequência, ter-se tornado num reforço ao autoritarismo, à intolerância, à corrupção e à desagregação do tecido social angolano. Tais anomalias são hoje cada vez mais agravadas pela longevidade desta guerra.

É preciso, pois, reabilitar a importância da sociedade civil no processo de reconciliação nacional. Igualmente, urge redireccionar o papel da comunidade internacional, já de acordo com os interesses mais profundos da nossa sociedade.

Por isso, compete aos angolanos, sobretudo àqueles que têm conseguido manter alguma equidistância e "cabeça fria", elaborar e ajudar a implementar um projecto de reconciliação nacional que resulte na harmonização dos diversos interesses que se manifestam no nosso seio.

O processo de reconciliação nacional deverá envolver todas as forças políticas e sociais, bem como as personalidades que se têm mostrado mais relevantes e mais empenhadas na formação de uma opinião pública favorável à paz, à justiça e à harmonia entre todos os Angolanos.

É imperioso ultrapassar-se a excessiva militarização das mentes, bem como a bipolarização partidária da sociedade angolana. Esses males são, afinal, os principais responsáveis pela violência, pelo medo, pela submissão e pela desconfiança generalizada que reinam no nosso quotidiano.

Temos que contribuir com todas as nossas forças e capacidades - por vezes até contra a vontade expressa de propagandistas a soldo -,para que se estabeleça um elo de solidariedade entre os angolanos, independentemente das suas origens e das suas proveniências políticas e/ou sociais.

Achamos que devem ser levadas a cabo múltiplas iniciativas, tanto no plano nacional como no internacional, que permitam reunir todas as disponibilidades para um grande envolvimento no processo de reconciliação nacional.

Essas iniciativas não têm que esperar pelo calar das armas, ou por algum eventual "aperto de mão" entre os irmãos beligerantes. Pelo contrário, tais iniciativas deverão servir de estímulo e mesmo de pressão para que os beligerantes ponham fim imediato à matança dos Angolanos e à destruição do país.

A tendência natural em Angola, nos períodos antecendentes às negociações de paz, é a guerra aumentar sempre de intensidade, até assumir contornos de autêntica irracionalidade. Isso decorre de, no espírito dos beligerantes, existir a ideia de que a paz deve ser o resultado de uma vantagem estratégica no terrreno militar. A sobrevalorização da componente militar é fruto de uma lógica perversa: para os beligerantes, a parte militar não é complementar às suas estratégias políticas. De acordo com a realidade, ela é, de facto, a componente que prevalece sobre todas as outras.

Cada um de nós tem que dar o seu contributo mais valioso e mais singelo para que se inverta essa tendência desastrosa. - Antes que nos vejamos, de novo, perante um velho paradoxo: assinar um cessar-fogo sobre um manto de novos e desnecessários cadáveres.

A paz tem de vir de dentro de nós. A paz não deve ser vista como o resultado da subjugação de uns face aos outros. A paz tem que emergir do reconhecimento, por todos, da inevitabilidade da nossa coexistência, e da vantagem que temos em nos unirmos. Só desse modo poderemos construir um país estável e acolhedor para os filhos e os netos dos irmãos actualmente desavindos.

Por isso mesmo, estamos a apelar para que, desde já, a sociedade civil se mobilize, com coragem e força de vontade, no sentido de conjurar todos os esforços e tentações daqueles que privilegiam o uso da violência e da propaganda a favor da guerra. Igualmente, devemos repudiar todas as ofensivas militares, que em nada contribuem para a criação de um clima propício à reconciliação nacional.

Devemos estimular, por todos os meios, os pronunciamentos e as acções tendentes a privilegiar a resolução do conflito pela via do diálogo.

Os subscritores:

Marcolino Moco

Justino Pinto de Andrade

Rafael Marques

Luanda, aos 23 de Maio de 2001